sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sobre a essência da verdade Martin Heidegger



Se prestarmos atenção ao que se passa em nós mesmos sempre que transgredimos qualquer dever, descobriremos que, na realidade, não queremos que a nossa máxima se torne lei universal, porque isso nos é impossível; ao contrário dela é que deve universalmente continuar a ser lei; nós tomamos apenas a liberdade de abrir nela uma exceção para nós.”
Kant, Immanuel/Op.cit,p.63


O que é a verdade? Poderíamos dizer que esta é uma das grandes questões filosóficas. Afinal a filosofia deve quebrar o óbvio sem querer discutir com o senso comum, sem apontar aquilo que tem valor em si mesmo, ciente que não existe como refutar o bom senso do imediatismo útil.
                        Como entender ordinariamente por verdade? Assim é o caminho percorrido por Heidegger em seu livro a Essência da Verdade. O verdadeiro é o real, logo o que não é falso. O real difere do falso. A realidade consiste na concordância com aquilo que previamente entendemos pela coisa.
            Ser verdadeiro aqui significa estar de acordo, mas também é antes de tudo o que chamamos de verdadeiro ou falso através de anunciações sobre o ente. Ser verdadeiro significa aqui está de acordo e, existir de duas maneiras: de um lado, a concordância entre a coisa e o que dela previamente se presume e, do outro lado, a conformidade entre o que é significado pela enunciação e a coisa
            Este duplo caráter traz à luz a definição tradicional da essência da verdade: A verdade é a adequação da coisa com o conhecimento, ou ainda a verdade é a adequação do conhecimento com a coisa. Ambas as concepções pensam a verdade como conformidade e podem nos levar a pensar no relativismo, onde a verdade depende da concepção de cada individuo. No entanto falamos de concepções comunitárias, ou seja, o que passa a existir em um contexto comunitário.
            Este duplo caráter nos remete a concepção medieval da teologia Veritas est adaequatio rei intellectus, decorrente da fé cristã onde as coisas em sua essência e existência correspondem a ideia previamente concebida pelo intessectum divinus, isto é, pelo espírito de Deus. A harmonia determinada pela ordem divina. A verdade é revelada por Deus aos homens.
            O autor discorre sobre os vários sentidos da concordância e chega à concordância da enunciação. Como pode o enunciado, que mesmo com sua essência fundamentalmente diferente e mantendo essa diferença adéqua-se a coisa?
            “A essência da adequação se determina antes pela natureza da relação que reina entre a enunciação e a coisa.” (pag. 333)
            A essência da adequação, de acordo com Heidegger, é justamente a relação existente entre enunciado e coisa. A relação é que, antes de tudo, instaura a possibilidade da enunciação da coisa naquilo que ele é. Toda possibilidade da relação se dar no interior de um espaço aberto. Jamais uma apresentação cria abertura a partir da qual ela se dá. Assim podemos compreender que a enunciação da coisa é a realização desta mesma relação que se instaura no espaço aberto como desencadeador de um comportamento.
                        Heidegger mostra que a essência da verdade como fundamento da condição de possibilidade da verdade como adequação é a liberdade, isto é, o estar aberto, desimpedido, livre, para o que se manifesta. Esta abertura não cria o espaço aberto, mas apenas deixa mostrar-se aquilo que se apresenta neste espaço.
            Liberdade significa, portanto deixar o ente que se manifeste ser o que ele é. Deixar o ente ser equivale então a expor-se no espaço aberto ao des-velamento.
            Esse deixar-ser é a própria liberdade. É ela que aparece aqui como essência da verdade. É no âmbito do comportamento livre do homem que a verdade se mostra como o que é e, justamente por isso, o que é o homem sempre estará em questão quando a questão da verdade estiver em pauta.
            A liberdade aqui não é um ato arbitrário do homem. Não é sua propriedade. O homem não pode escolher entre abrir-se ou não ao ente. Ele já está nessa abertura. Em sua essência o ser-aí é liberdade. Ela encontra-se na freqüentação, convivência no movimento constitutivo da vida humana. O outro é minha possibilidade de liberdade, na interação social, nas tantas realidades da vida em que me descubro e crio vínculos. Como bem falou o Poeta: somos anjos de uma asa só, para voar precisamos nos abraçar (Mario Quintana).
            Uma vez que a liberdade como deixar-se é a essência da verdade, o ser humano no seu acontecer pode também não deixar o ente ser o que ele é. Daí nasce a não verdade, que pertence à essência da verdade. O deixar-ser, desvelando um ente particular, oculta o ente como todo. Este ocultamento é o mistério, ou seja, o que não conheço, mas que considero e admito, não posso controlar e apesar de não aparente mantém-se vinculado sempre da melhor maneira possível, está presente e não pode ser esgotado.
            O que está oculto é antes de tudo o próprio ocultamento. O esquecimento do mistério é o errar, do qual o erro como falsidade de um juízo é apenas uma das formas mais superficiais. Ao contrario, confrontar-se com o mistério significa pôr originalmente a questão da essência da verdade, o que permite dar-se conta de que a essência da verdade é a verdade da essência, isto é, a verdade do ser na sua diferença para com o ente.
            Como todos podem errar, o homem passa esse processo do erro por diversas vezes na sua vida sem dizer, que na maioria das vezes o homem cai em contradição se afastando da verdade e se aproximando da não verdade. Ele só pode errar pelo velamento, o esquecimento. Na busca desenfreada por resultados e números, esquece-se do verdadeiro sentido das coisas, deixando-se levar pelo voluntarismo, nega a autonomia e a possibilidade de liberar-se para uma medida que vincule.
            O homem em seu exercício de viver se descobre e encobre, nas tantas coisas que não pode ou não quer explicar: o mistério. A realidade concreta acaba mostrando-se maior que o percebido, vamos sendo tragados pela vida cotidiana e nos afazeres onde nem tudo me compete saber, o conhecimento não pode ser esgotado pelo homem. 
            “Minha dor é inútil, como uma gaiola em um país sem pássaros” Esta frase é de Fernando pessoa e nos remete ao sofrimento a angustia de nossa existência. Inútil: haveria alguma útil? Aos olhos de muitos é crescimento, a possibilidade de amadurecimento e de sensibilização, tornando o ser mais humano. Qual é verdade afinal? A dor é inerente ao ser humano?
            Ler Heidegger será sempre um grande exercício filosófico, pois o seu entendimento não nós é dado se não por um intenso movimento de envolver-se, discutir e encarar, cada frase, cada palavra como um verdadeiro e exaustivo desafio que não esgota-se e possibilita os mais variados trabalhos.
             Afinal a verdade não nasce no enunciado, mas nas práticas cotidianas, nas relações que travamos e nos vários grupos sociais que fazemos parte, já é como tal resposta a presença de alguma coisa que, em primeira instância já se revelou para o uso na lida. Quando nos permitimos ser, entramos no aberto e só então exerço minha liberdade esta que só é possível em um espaço comunitário. Estando no mundo ou deixo-me leva pelo senso comum do imediatismo útil, ou me lanço na experiência do espaço público e posso viver o pertencimento.
        
        
O objetivo de Heidegger parece o de não querer estabelecer uma nova crença sobre o que é a verdade, mas sim pretende formular para todos que porventura se identificarem com

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